quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Envio dos materiais sobre o Franglais

Oi, pessoal!

Obrigada a todos que deixaram comentários aqui sobre o último post (só estou podendo agradecer a alguns por aqui por não terem deixado e-mail ou não terem blog).

Realmente, essa questão do francês québécois dá pano pra manga, viu... principalmente se formos entrar na discussão sobre a presença da língua inglesa no Québec e sobre como muitos acreditam que isso represente uma ameaça à sobrevivência do francês na província (e ainda como essa condição toda tem raízes históricas profundas...).

Bom, preciso do e-mail dos interessados nos materiais pra que eu possa enviá-los a vocês!

Antes que eu me esqueça novamente... Un excellent 2010 à tous!

Bises,

B.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Curiosidades do Franglais Québécois

Antes de começar este post, respondendo (muito atrasada) à pergunta dO Casal sobre o emprego de video-game tester, bom, vou reproduzir aqui as impressões e os relatos do Wal. Ele trabalhou durante algum tempo na Babel e lá, sendo funcionário da empresa, não se pode entrar com vestimentas que tenham bolsos ou casacos. Quando você é contratado, você recebe um cartão magnético que te dá acesso às áreas restritas. Nestas áreas, além das vestimentas com bolsos, não se pode entrar com aparelhos eletrônicos: nada de ipod, celular, mp3 player e afins. Tudo isso deve ser deixado numa sala específica pra se guardar tais coisas. Na ocasião da contratação, o Wal assinou um extenso contrato que incluía várias cláusulas de sigilo no que diz respeito aos trabalhos efetuados na empresa.

Mas a parte que o Wal não achou muito divertida não se refere a nada disso. Ele sempre imaginou que neste emprego ficaria jogando vídeo-game o dia todo e, claro, se divertindo. Não que ele não se divertisse, mas o trabalho inclui essencialmente que o contratado jogue os jogos em busca de bugs, o que acaba tirando um pouco da graça de jogar vídeo-game. Caso se encontrem bugs, um bug report deve ser feito especificando-se o tipo de bug encontrado. O Wal me disse que há casos em que se joga o mesmo jogo durante vários meses. Ele até brincou dizendo "imagina você jogar Tetris durante quatro meses procurando e relatando bugs?". Essa é a parte que não é muito divertida do emprego, mas isso, é claro, varia de acordo com o ponto de vista, né?

Vamos ao post em questão, então.

Já há algum tempo, eu comecei a estudar sobre as questões sociolinguísticas do francês québécois. Quando eu trabalhava como professora de francês, eu sempre quis levar pros alunos outros referenciais de língua francesa que não fossem só os da França, e o fato de termos vivido aqui e de que retornaríamos pra cá como imigrantes aumentaram minha curiosidade sobre o assunto. Juntando a fome com a vontade de comer, fiz algumas pesquisas sobre o franglais no Québec e, aproveitando minha experiência aqui em 2005, preparei um minicurso que apresentei na ocasião da Semana de Letras na universidade em 2008. Poucos alunos se interessaram pelo tema, muito específico, mas o minicurso no fim das contas serviu mais para que eu pudesse satisfazer minha necessidade de conhecer mais a fundo as características gerais do francês daqui e estabelecer as diferenças com o francês da França, que é o que geralmente se aprende no Brasil.

Digo isso porque todos, sem exceção, que chegam a Montréal, mesmo tendo um nível avançado de francês, se assustam com o francês québécois, o que os faz questionarem-se "será que eu sei mesmo falar/entender francês?". Isso aconteceu comigo quando estivemos aqui pela primeira vez em 2005. Quando escutei o francês québécois pela primeira vez, juro, precisei de alguns segundos pra identificar que aquilo era francês.

Mas o engraçado é que, mesmo tendo feito diversas pesquisas (e ter morado aqui durante 8 meses em 2005 e estar aqui já há quase 7 meses), até hoje me pego rindo comigo mesma de algumas particularidades do francês daqui ou descobrindo novas expressões. É claro que agora a coisa toda é diferente. Em 2005 eu sofria pra entender o que as pessoas diziam aqui e achava que o problema pudesse estar comigo, até que um dia uma professora de francês, nascida na França, que tive aqui naquela época, me disse que até ela às vezes não entendia o que diziam pra ela. Hoje, posso dizer que estou à vontade com o francês québécois e meu sotaque já não é mais francês, surpreendentemente (ou não, porque é óbvio que você naturalmente absorve o jeito de falar do lugar em que você vive).

Outro dia, recebi dois turistas franceses no restaurante que começaram a me fazer perguntas sobre o Canadá, a população de Montréal etc. Conversa vai, conversa vem, eles me perguntaram de onde eu era. Quando eu disse que eu era brasileira, eles me disseram "mas você não tem sotaque de brasileira no seu francês. Seu sotaque é do francês québécois." Na hora caí pra trás... rs. Foi a primeira vez que alguém me disse que meu sotaque era québécois. Eu respondi "engraçado você dizer isso, porque já acharam que eu fosse francesa por causa do meu sotaque." O rapaz francês, na hora, disse "pas du tout, seu sotaque não é francês...". Finalmente, eu disse pra ele "realmente, acho que meu francês mudou e eu nem percebi... eu acho que é alguma coisa entre francês e québécois." Ele concordou comigo (depois de comparar o meu francês ao de uma das garçonetes québécoises que estava próxima de nós naquele momento), porque, realmente, eu ainda não cheguei ao ponto de falar tão nasalizado, de fazer tantas contrações e de misturar francês com inglês o tempo todo numa mesma frase, além de outras coisas.

Falei isso tudo (já tentei, mas na hora de contar história eu não consigo ser sucinta... rs) pra dizer que venho coletando alguns "exemplares" do francês québécois (ou franglais) pra colocar aqui no blog. Vou começar por um que achei muuuito engraçado e que me deixou a ver navios durante alguns segundos... (vou reproduzir vulgarmente aqui a pronúncia de algumas palavras).

Estava eu no restaurante. Um cliente vem a mim e me pergunta:
- Où sont les pinóte? (onde estão os pinóte?)
Eu respondo:
- Je m'excuse, monsieur... (me desculpe, senhor...)
- Les pinóte... (os pinóte...)
(Neste instante, pensei "será que ele quer dizer peanuts?" - lá no restaurante tem uns barris de madeira cheios de amendoin onde os clientes podem se servir de graça).
- Ah, les pinóte! Ils sont en arrière, monsieur! (Ah, os amendoins! Eles estão ali no fundo, senhor!)
(Nessa hora reproduzi a palavra que o senhor tinha usado comigo porque achei que seria deselegante com ele usar arrachides ou cacahouettes - palavras que os franceses usam para amendoin. Talvez ele pudesse pensar que eu estivesse corrigindo-o ou sei lá.)


A partir de quarta-feira, durante o dia, nós somos duas hostesses na entrada do restaurante, já que o movimento aumenta consideravelmente a partir deste dia e o restaurante é gigante e tem dois andares (cada hostess fica num andar). Voltando pra porta depois de ter conduzido alguns clientes até uma mesa, perguntei ao casal que esperava na fila na entrada do restaurante se eles queriam uma mesa e pra quantas pessoas. Ele me responde:
- Merci, l'autre hôtesse est en train de cleaner une table pour nous!
(Obrigada, a outra hostess está limpando uma mesa pra nós!)
Cleaner, ao invés de nettoyer...


Outro dia uma das hostesses que trabalham comigo chegou de manhã e me disse:
- Tu vois-tu? J'ai ironé ma chemise, parce que John m'a dit qu'elle n'était pas bien ironée...
(Você viu? Eu passei minha camisa, porque o John me disse que ela não estava bem passada...).
Ironé(e), ao invés de repassé(e).
Aqui faço uma observação. Os québécois não têm, tanto como nós, o hábito de passar suas roupas, porque elas já saem com aparência de passadas da secadora (hábito que a gente acaba incorporando pra grande parte das roupas que realmente saem bem esticadinhas da secadora. Mas camisa não dá, né, gente... tem que passar! rs).


Nós temos um livro grande onde agendamos todas as reservas do restaurante. Do lado esquerdo, agendamos as reservas para o almoço e do lado direito, as da noite. Tem dia em que recebemos tantas reservas que não sobra espaço no livro pra gente escrever. Num dia desses, anotei uma reserva do almoço do lado direito (num espacinho que encontrei lá no meio), o que nos causou um pequeno problema, porque a reserva acabou não indo pro mapa do restaurante, o cliente chegou e não existia mesa no nome dele. Eu disse à Sabrina que o erro tinha sido meu e então ela disse:
- Pas de problème, Barbara. La prochaine fois, on va highlighter ces réservations-là.
(Não tem problema, Bárbara. Da próxima vez, a gente vai destacar/grifar essas reservas).
Highlighter, ao invés de mettre en évidence ou souligner ou whatever...


Conversando com outra hostess que trabalha comigo, ela me perguntou:
- Quel est le nom de la couleur de ton lipstille?
(Qual é o nome da cor do seu lipstille?)
- Lipstille? Tu veux dire lipstick, c'est ça?
(Lipstille? Você quer dizer lipstick - batom, em inglês -, é isso?)
- Ouais... lipstille, lipstick, whatever...
Lipstille, uma mutação de lipstick, ao invés de rouge à lèvres.
Ouais, ao invés de oui.


A quase melhor de todas... Um dos gerentes do restaurante chega a mim e pergunta:
- Barbara, où est le push-push?
(Barbara, onde tá o push-push?)
- Où est le... quoi?
(Onde tá... o quê?)
- Le push-push, pour essuyer la porte...
(O push-push, pra limpar a porta...)
- Ah, le Windex...
Push-push, ao invés de windex ou nettoyant à vitres.
(Depois comecei a usar a palavra push-push no restaurante a título de experimento, pra ver quantas pessoas usavam ou conheciam a palavra. Alguns não sabiam do que eu estava falando).


A próxima, a melhor de todas, é derivada do push-push. Eu e outra hostess estávamos lá na entrada do restaurante quando ela diz pra mim:
- Barbara, je vais push-pushpoter la porte.
(Bárbara, eu vou push-pushpoter a porta).
- Tu vas faire quoi, push-pushpoter la porte? (caí na risada) On dit déjà push-push, maintenant t'as inventé le verbe? (e continuei a rir).
(Você vai fazer o quê, push-pushpoter la porte? Já se diz push-push, agora você inventou o verbo?)
- Ouais, je l'ai inventé... push-pushpoter la porte!
(Sim, o inventei... push-pushpoter la porte!)
Push-pushpoter, o filho do push-push, ao invés de nettoyer.


É muuuito comum eu escutar:
- Ton manager, il est là?
(Seu gerente tá aí?)
E a pronúncia não é a do inglês... eles colocam a tônica na última sílaba, pronuciando todos os "a" abertos...
Manager, ao invés de gérant.


O caso do par exemple é uma piada... Par exemple, teoricamente, é usado pra exemplificar, como já nos parece óbvio. Aqui não. Eles empregam o par exemple em frases que nada têm a ver com exemplificação. Eu pergunto ao cliente:
- Vous allez être combien?
(Quantos vocês serão?)
- On va être trois, par exemple.
(Nós seremos três, par exemple).
ou
- Je ne suis pas très contente, par exemple.
(Eu não tô muito contente, par exemple).
Eu percebi que o par exemple se comporta como um vício de linguagem. Talvez possamos compará-lo ao nosso uai em Minas.


O tal do tu. Tu é sujeito em francês e o francês é uma língua caracteristicamente enfática em muitas situações. Por isso, é comum repetirmos o sujeito numa frase. Enquanto um francês repete duas vezes o sujeito numa frase (nem sempre, claro), um québécois chega a repeti-lo três vezes (ou mais). E às vezes o tu aparece onde nem sujeito ele é. Muitas vezes, ele entra no lugar do est-ce que do francês e acaba sendo mais um vício de linguagem ou uma "interjeição wannabe"... rs. Seguem alguns exemplos dos shows de tu por aqui:
- On peut-tu s'asseoir ici?
(A gente pode se sentar aqui?)
- Tu travailles-tu demain, toi? (três referências ao sujeito nesta frase...)
(Você trabalha amanhã?)
- Ça se peut-tu?
(Pode ser?)
- Je peux-tu déjà m'en aller?
(Eu posso já ir embora?)
- Nous pouvons-tu prendre cette table-ci?
(Nós podemos pegar - no sentido de escolher - essa mesa aqui?)

Bom, por hoje tá bom, né. Obrigada aos que leram o post todo!

Ps.: Caso alguém se interesse, tenho alguns materiais sobre o francês québécois (léxico, fonética/prosódia, palavrões) e um powerpoint que preparei para o minicurso com um pouco da história do Québec e de como a questão sociolinguística do francês québécois se desenvolveu aqui.

À la prochaine!

B.